sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Prece

Caminho pelo centro da cidade e resolvo entrar na igreja. Apesar de ser a catedral, não é a maior da cidade. É escura, com uma fachada simples, janelas cumpridas apontando para o céu e colunas barrocas. Tem alguma coisa rolando lá dentro e eu não faço a mínima idéia do que é. Não é um casamento, não é uma missa, que esse bando de gente está fazendo ali? Assim eu não consigo me concentrar.
A mulher no altar pede pelos doentes, pelo Papa, pelo governo, pelos pobres, pelos ricos despressivos, pela Paz, pelo aquecimento global, pela vida das baleias ou qualquer outra coisa do tipo. Eu não vejo seu rosto, estou escondida num canto, atrás de uma coluna, decidindo se fico ou se vou. Sua voz soa sem emoção e as palavras que saem de sua boca são claramente um discurso decorado. Fico imaginando se ela realmente deseja todas essas coisas ou se está preocupada com o marido que chegou tarde ontem a noite, com a mãe doente, com o filho de 14 anos que quer passar o ano novo com os amigos.
Talvez o que ela realmente deseja não importe. Se alguém lhe desse três desejos e ela pedisse pelos doentes, pelos pobre e pela paz, que diferença faria se no fundo o que ela queria era mesmo uma bolsa louis vuitton, uma MBW vermelha e uma noite de sexo com o George Cloney? No final, o que importa são suas escolhas, certo? Ela ter feito a essa escolha (pra não usar o termo "escolha certa" que levaria à questões sobre o certo e errado e o escambau), porque era seu dever (era?) , e ter aberto mão da bolsa, do carro e da noite de sexo que ela nunca conseguiria de outra forma não é o que realmente conta?
Quando eu era mais nova eu realmente rezava por outras pessoas além das que eu amo. Eu queria que o ser humano fosse menos cruel, que boas intenções tivessem sempre bons resultados, que a política fosse mais simples e a sociedade mais justa. Não que eu fosse totalmente altruísta - é só que naquela época essas coisas me machucavam muito mais.
Saí da igreja me perguntando quando foi que me tornei tão egoísta. Quando foi que eu comecei a rezar apenas por mim mesma? Quando foi que eu comecei a desejar coisas apenas para mim mesma? Não é que eu não queira que tantas outras coisas sejam diferentes, é só que eu não me preocupo mais isso. Eu deveria me preocupar com isso? Ajudaria em alguma coisa? Quando eu aprendi que minha felicidade não poderia depender da resolução de todos os problemas do mundo eu me tornei insensível?
Se apenas um desejo fosse concedido a mim, minha consciência me impediria de pedir o que eu realmente quero. Então porque minhas orações são tão egoístas? Porque minha consciência não me impede de rezar por mim mesma? Será que é porque no fundo eu não ache que minhas preces serão atendidas? Porque eu rezaria então?
Se existe um poder tão superior, talvez todas essas questões sejam risíveis. Mas elas importam para mim.
Afinal, nós temos controle sobre nossos desejos?

Desejei que meus desejos fossem diferentes.
Mas, de novo, o pedido era sobre mim.


"Ei mãe, eu já não esquento a cabeça/Durante muito tempo isso era só o que
eu podia fazer/Mas ei mãe, por mais que a gente cresça/Há sempre alguma coisa
que a gente não consegue entender/Por isso mãe, só me acorda quando o sol tiver
se posto/Eu não quero ver meu rosto antes de anoitecer." Engenheiros do Hawaii

sábado, 10 de novembro de 2007

Sobre o orkut, Deus e o Infinito.

Parece que tudo que todo mundo diz sobre qualquer um em testemoniais no orkut é igual. O quão fabulosa é tão pessoa, especial, amiga fiel, confiável, presente, divertida, o que quer que seja. Em 1024 caracteres, figuras de linguagem suficientes para encher dois livros de poesia. Principalmente metáforas e eufemismos, através do quais defeitos são transformados em qualidades e qualidades exaltadas como se fossem exclusivas. Alguns soam melhores, mais sinceros, mais profundos, proporcionalmente à familiaridade do autor com escrita. O conteúdo, entretanto, não varia muito. Se tudo o que se escreve sobre os outros fosse verdade a geração orkut seria a responsável por elevar o gênero humano a sua máxima potência.
Será hipocrisia? Prefiro acreditar que não. Prefiro acreditar na cegueira. Prefiro teorizar sobre os afetos. Afeto - essa palavra tão feia, tão morna, tão pouco romântica, com uma sonoridade tão distorcida.É ele que cria esse nebulosa no nosso universo - essa que dispersa a luz. Essa que se põe na distância entre as pessoas, que as aproxima e as torna cada vez mais tortas, mais cegas e mais felizes. Eis que essa nebulosa é como o tempo linear. É tão ilusória quanto necessária para evitar o caos. Pois afinal, quem se importa realmente até onde vai universo? O que nos aquece é estrela mais próxima, com toda sua insignificância.
Lendo os que eu escrevi, percebo que sou eu mesma mais um exemplo pra minha teoria. E me questiono - o quão realmente sinceras são minhas palavras. E me respondo - absolutamente sinceras. Procuro uma maneira de fugir do meu próprio cinismo, da minha própria desilusão, das minhas próprias teorias, no entanto eu não consigo. E cria-se um paradoxo nas minhas linhas. Ele está entre aquilo que eu sinto e a parte lógica, meramente matemática do meu cérebro.
E esse é o motivo de eu acreditar em Deus. É isso que extravasa as bordas do copo e está presente em todas as moléculas do meu corpo. É o que me é externo e ao mesmo tempo intrínseco e tão complexo que não pode ser verbalizado.
Em algum momento eu percebo que a verdade não importa. O que importa mesmo são os afetos - tão fluidos que não sei se são líquidos ou se são vapor. Que o que importa é essa linha mágica que conecta as pessoas no vão de suas imperfeiçoes. Essa que marca mais a pele do que arame farpado. E sua luz que, mais azul do que a da fibra óptica, envolve nossos olhos.
Importa mesmo aquele momento quando da lã se fez o fio. E o mundo só não é melhor porque ele não nos conecta a todos. Porque o ser humano não pode ser costurado à carne do mundo. Ele gosta do seu cubículo de repartição pública.

E é sobre isso que falam os testemonais do orkut.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Wave

Cindi Lauper está deitada numa cama macia lendo cartas das suas amigas do colégio. De repente ela se transforma no Ney Matogrosso, pula de pé na cama e começa a rebolar. Então nuvens negras entram pela janela, começa a chover dentro do quarto e ele se desfaz.
De uma poça de água no chão surge um vulto feminino fantasmagórico com voz rouca me pedindo pra ir com ela. Me perguntando: "What am I to you?". Conheço essa voz e esses cabelos volumosos. Mas fecho os olhos porque não gosto de fantasmas.
Quando eu os abro tem um sujeito compenetrado sentado no canto tocando violão. Eu digo: "ei Bob, me dá um autógrafo!" Mas quando me vê ele levanta e sai correndo pela porta.
E de repente meu quarto é invadido por um monte de garotos de aparência intencionalmente desarrumada. Eles estão frenéticos, carregando instrumentos, se arrumando, brigando uns com os outros, nenhum deles pode me ver. Eu fico sufocada no meio de tanta gente e desmaio.
Acordo e olho ao redor: não ficou ninguém, só um quarto sujo, cheio de copos amassados, garrafas vazias e flores pisadas.
Tem alguma coisa se mexendo na janela! Eu chego mais perto e vejo um homenzinho minúsculo, barbudo, de pé tocando flauta. Ele cheira rosas. Vai crescendo, crescendo, e quando eu percebo ele se transformou numa cobra gigantesca. Ela abre a boca, suas presas são enormes, eu acho que ela vai me engolir, mas ela começa a cantar Kiss Me com a voz mais fina que eu já ouvi.
Eis que entra Bono Vox em um cavalo branco que não combina nem um pouco com seus óculos escuros. Ele está procurando por alguma coisa que ainda não conseguiu encontar. Não encontra em meu quarto também e vai embora.
Ligo a tevê e o Humberto Gessinger está de avental ensinando a fazer bolinhos de chuva no programa da Ana Maria braga. Eddie Vedder está vomitando no sofá ao meu lado, enquanto o Ben Harper diz pra ele: "Cara, você precisa de um copo d'água!".
Está anoitecendo e em frente a minha janela um passarinho preto canta "A Day in the Life". Uns caras com barbas até a cintura e botas de cowboy estão caçando com espingardas, então eu escondo o passarinho debaixo da minha roupa. Ele se transforma em milhares de borboletas coloridas que saem voando pra alegria da Paula Toller, que está chorando encostada no vidro da janela da casa em frente.
Quando vou me deitar, já tem um casal na minha cama assistindo a um clipe do Gun's and Roses. Ela é linda, magra, loira (She's got the Look) e me diz que precisa de um bom vinho.
- And you, you need to be nicer!.
O cara é gordinho, com dentes separados e um terno estampado com uma aranha gigante cor-de-rosa. Ele muda pro Telecine, onde passa um filme da Marilyn Monroe. Ele diz: "Goodbye Norma Jean..."
Eu vou ao banheiro e tem um cara morto na minha banheira. Suicídio com gillette é muito clichê, eu penso, mas acaricio os cabelos negros dele, tão macios. Sua pele é tão branca. Existem fotos de você coladas em cada centímetro da parede.Eu começo a chorar e alguém me consola cantando "Everybody Hurts". Depois me canta baladas de hardrock e eu digo que o amo. Mas ele diz que quer mais do que palavras e desaparece lentamente.
Freddie Mercury está cantando no chuveiro ao lado.
Eu volto pro quarto, as paredes foram demolidas, o carpete virou areia e a Regina Spektor toma um banho de mar enquanto uns caras de rastafari dançam ao redor de uma fogueira ao som de Skank. E o Chris Martin toca Chopin num piano encalhado na areia.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Origami

A personagem dessa história é uma menininha. Pequeneninha, fofinha, cabelo chanel e botinhas vermelhas.
Ela ainda não sabe, mas quando crescer será paranóica, obessiva e auto-destrutiva. Mas por enquanto é só uma menininha. Ela gosta de se considerar forte, por isso não chora nunca, não importa o que aconteça. Chorar é coisa de criança. Ela não chorou quando seu coelhinho morreu (como toda menininha, ela tinha um coelhinho), não chora quando se machuca, não chora quando brigam com ela. Ela suporta tudo e às vezes se esquece que é só uma menininha.
Ela anda por uma paisagem ampla, cheia de sol, árvores e lagos. Conforme caminha ela vai crescendo, lentamente, como numa daquelas animações pintadas com lápis de cor. E porque está crescendo, não se importa mais que chorar seja coisa de criança. Mas ainda gosta de se considerar forte. Por isso nunca chora. E engole todas as tristezas, que vão se acumulando dentro dela e deixando-a amarga e triste. Ela não chora, nunca, mas também já não ri. A menina caminha sem rumo pela paisagem, sua vida parece estar envolta numa melancólica monotonia.
Um dia ela ouve ao longe um som como de papel sendo remexido, como se muitos jornais estivessem sendo abertos ao mesmo tempo. O som vai crescendo, se aproximando, ela procura sua origem mas não encontra. Então a menina olha pro alto e vê milhares de tsurus cortando o céu em alta velocidade. Eles voam numa bela e estranha formação flúida, dão voltas, sobem, descem, batendo alegremente suas minúsculas asinhas. Os cantos dos lábios da menina se curvam numa rara demonstração de uma rara alegria.
Mas então, só porque ela sorriu, começa a chover. E os pássaros de papel molham e se despedaçam com a chuva. Agora ela vai chorar, eu penso, e dou um sorriso sádico.
E ela chora. Só que seu choro é quase imperceptível, pois suas lágrimas se misturam com a chuva. Que fazer agora? Ela recolhe o que sobrou dos pássaros um a um, e com seus corpos mortos faz papier mâché.

Tsuru: http://www.youtube.com/watch?v=3iVP0tzwhVc

domingo, 14 de outubro de 2007

Superbonder

Tenho muitos textos pra colar aqui. Mas não consigo juntar as partes.
É que às vezes eu sinto um descolamento entre aquilo que eu escrevo e aquilo que eu sou.
Não sei quem sou, na verdade. Ninguém sabe (esse é meu consolo e minha esperança egoísta e fútil).
Às vezes, sinto um descolamento entre aquilo que eu sinto e a realidade a minha volta.
Tudo é uma ilusão, diriam os pessimistas.
Às vezes, sinto um descolamento entre eu e as outras pessoas.
Queria eu ser menos lúcida e me divertir nos meus castelos. A questão é - eu os construo, e eu sei que são feitos de areia. Sei?
Mas não posso deixar de construí-los. E não posso me divertir neles.
É que, de perto, quadros impressionistas se reduzem a borrões.
E você, você diz que eu não entendo nada de arte.
Às vezes eu sinto um descolamento entre todas as moléculas do meu corpo.
Às vezes eu só queria um pouco de (coca) cola.

sábado, 11 de agosto de 2007

Maquiagem

Eu te afastei por causa do meu batom. Eu sei, você não gostou do meu batom vermelho-berrante.
Vejo a mim mesma passando batom diante do espelho. Gosto tanto da sensação dele deslizando pela minha boca que fico passando durante vários minutos sem me dar conta que está ficando borrado e mais escuro do que deveria. Que inabilidade a minha.
A maquiagem não deve chamar atenção para si mesma, deve ser invisível. Originalmente, deve imitar uma aparência saudável: pele clara, sem manchas, boca ligeiramente vermelha, bochechas rosadas. Nada exagerado, nem a firmeza dos seus traços deve ser percebida. Senão você fica parecendo um palhaço.
Eu te afastei por causa do meu batom. Cor em excesso. Você não gostou ou queria estar usando o mesmo? Talvez eu tenha feito de propósito. Inconsciente calculado. Incrivelmente, isso fez eu me sentir melhor, exibir meu batom vermelho-berrante (a mesma cor que eu uso desde os doze anos (agora tem outras cores dentro dela)).
Pelo menos minha máscara é colorida; a sua é preta e branca. Notam a minha, mas não a sua. Ninguém percebe que todos fazemos parte do mesmo circo, com nossos perfumes, rímels, lápis, saltos, vestidos de gala e batons. Porque só alguns deles são vermelho-berrante.
E a cor do céu, hoje, se confunde com a do batom no meu espelho de bolso. Eu vejo tudo roxo.
E agora, você não gosta de mim porque sabe que eu uso maquiagem. Você é confuso pra mim, difuso pra mim, etéreo e não delineado. Só lembro que você tem lábios femininos. Ficariam bonitos pintados de vermelho-berrante?


"Não há nada de concreto entre nosso lábios/Só um muro de batom e frases
sem fim/É que tudo se divide, todos se separam." Engenheiros do Hawaii

quinta-feira, 26 de julho de 2007

A Volta da Alma

O excesso de informação que está em todos os lados pros quais eu olho me deixa tão anestesiada que poucas coisas têm conseguido despertar algum sentimento ou interesse verdadeiro em mim. Mas eu acabei de reler o livro do Ricardo Kotscho e percebo que minha alma finalmente retornou ao meu corpo, pois sou surpreendida por um turbilhão de emoções e pensamentos. Ler um bom livro sempre tem esse poder de fazer com que meu corpo e minha alma estejam no mesmo lugar ao mesmo tempo. Sei lá onde ela estava - talvez se encontrando com Deus em alguma ilha do pacífico, em Jerusalém, no Tibet. Vagando em busca de uma definição, de sentidos profundos para sua existência, cheia de um romantismo que não combina com o mundo ao seu redor. Só sei q eu estava a procurar por ela nos cantos da casa, em lugares-comuns, nos bolsos das minhas roupas, sozinha, acompanhada, esperando que alguém fosse capaz de encontrá-la por mim. Não sinto apenas que ela voltou, mas que está inflando dentro de mim, sinto meu corpo ir ficando pequeno pro seu tamanho. Volto a ter prazer ouvindo música, começo a perceber cheiros, parece que eu voltei à vida. Deixo de fazer as coisas mecanicamente, recomeço a desejar um milhão de coisas por segundo.
Ver a vida de um jornalista tão de perto, mas especialmente de alguém que trabalhou com tanto afinco, participou de momentos tão importantes na vida política do país sem se deixar abater pelas zicas em geral, um repórter que fala sobre seus acertos e erros sem o ar de arrogância e superioridade da mídia em relação à todo o resto, renova minha vontade de ser jornalista. Me lembra porque eu marquei a carreira 242 na ficha de inscrição da FUVEST. Me dá vontade de voltar às aulas e dar o máximo de mim apesar de todos os problemas do curso e de todos os problemas que eu sei que vou enfrentar depois que eu me formar... Só espero que esse sentimento dure, que minha alma não saia mais uma vez procurando por Shangri-lá. Eu preciso sempre de alguma coisa que seja capaz de prender meu espírito a esse pedaço de carne fadado ao apodrecimento. Preciso de algo que alimente a minha fé, preciso estar apaixonada o tempo todo (por mais piegas possa parecer) por que só isso é capaz de impedir que eu envelheça precocemente.

domingo, 15 de julho de 2007

Fuga

Negro, muito escuro, vai ficando sépia conforme se aproxima o horizonte. Um único ponto brilhante. Será Vênus, Marte?
Não entendo essas pessoas que dizem que a escrita simplesmente “flui”. Escrever sempre exigiu um enorme esforço pra mim. Eu procuro inspiração em uma música, em um poema, no céu noturno, procuro “inspiração” no google. Não encontro nada. Não sinto nada. Não sinto nem tédio. Há enorme vazio, um vácuo que não produz nem eco, sou uma grande ameba. Algo só um pouco mais desenvolvido. Uma mero mecanismo orgânico, impulsos elétricos, ossos, sangue, água, músculos e vísceras. Quero vomitar tudo e vasculhar com um palitinho pra ver se eu encontro algum sentido. Não sinto nada. E não estou angustiada por causa disso. Quem me dera estivesse. Tenho vontade de me contar com uma navalha pra ver se eu sinto alguma coisa, dor, raiva de mim mesma, quero me sentir estúpida. Algum instinto de preservação adquirido ao longo de milhões de anos de evolução me impede. Sou vazia, vazia, vazia. Minha alma fugiu pra algum lugar desconhecido sem intenção de voltar. Apesar disso ainda existe alguma lógica habitando meu cérebro. A linguagem é meramente matemática, e suas equações se articulam lentamente para me pregar uma peça - se eu não entendo, eu devo estar confusa. Se eu quero, eu sinto desejo. Se eu faço uma indagação, estou curiosa. Mas isso são meras constatações, frias, eu não sinto nada disso, absolutamente. Procuro então uma palavra que se aproxime e imagino que eu devo estar dormente, amortecida, morta.

sábado, 14 de julho de 2007

Boletim do Tempo

O céu tá sempre bonito pra mim, pode ser o dia mais sem graça do ano. E não, isso não é uma metáfora para meu estado de espírito. Meu humor não é tão bom assim. Além do mais, projetar o estado de espírito de uma personagem (no caso, eu) no tempo é um recurso literário que só os grandes mestres conseguem usar sem cair no óbvio. Aliás, quase nenhum recurso literário pode ser usado por um mero mortal que não queira correr o risco de parecer ridículo - neologismos nunca caem tão bem pra você quanto pro Guimarães Rosa, descrições intermináveis só para os realistas, e nunca, nunca faça digressões, você não é Machado de Assis. Também nunca faça metalinguagem, as pessoas vão achar que é só uma maneira de preencher algumas linhas porque vc não tem assunto. Metalinguagem é assim, como falar sobre o clima.
O vento vem do sul aqui. Sempre vem do sul, se infiltra pelas frestas da minha janela e torna meu quarto o cômodo mais frio da casa. E eu acordo só pra pegar mais um cobertor, mas não resisto e abro a janela pra descobrir que o céu está exatamente da cor que eu imaginei: cinza claro hoje, quase branco. Do sol que acabou de nascer, nenhum vestígio além da claridade esbranquiçada. Me lembro de algum lugar no qual eu não estive. Pra mim, o céu tá sempre maravilhoso, porque com sol, com chuva, olhar pra ele sempre me trás alguma lembrança, desperta algum desejo irreprimível, dá vontade de fazer uma boa ação, passar um perfume, aprender a assobiar, tocar piano, falar francês, comprar um canivete, comer carne assada, visitar a Rússia, ser voluntária do greenpeace, pular de pára quedas, ler um livro, falar alguma coisa piegas, escrever. Escrever um romance, escrever uma crítica, uma crônica, uma reportagem, um blog. Escrever, simplesmente. Nem que seja pra falar sobre o tempo. Ou pra fazer metalinguagem.