terça-feira, 30 de outubro de 2007

Wave

Cindi Lauper está deitada numa cama macia lendo cartas das suas amigas do colégio. De repente ela se transforma no Ney Matogrosso, pula de pé na cama e começa a rebolar. Então nuvens negras entram pela janela, começa a chover dentro do quarto e ele se desfaz.
De uma poça de água no chão surge um vulto feminino fantasmagórico com voz rouca me pedindo pra ir com ela. Me perguntando: "What am I to you?". Conheço essa voz e esses cabelos volumosos. Mas fecho os olhos porque não gosto de fantasmas.
Quando eu os abro tem um sujeito compenetrado sentado no canto tocando violão. Eu digo: "ei Bob, me dá um autógrafo!" Mas quando me vê ele levanta e sai correndo pela porta.
E de repente meu quarto é invadido por um monte de garotos de aparência intencionalmente desarrumada. Eles estão frenéticos, carregando instrumentos, se arrumando, brigando uns com os outros, nenhum deles pode me ver. Eu fico sufocada no meio de tanta gente e desmaio.
Acordo e olho ao redor: não ficou ninguém, só um quarto sujo, cheio de copos amassados, garrafas vazias e flores pisadas.
Tem alguma coisa se mexendo na janela! Eu chego mais perto e vejo um homenzinho minúsculo, barbudo, de pé tocando flauta. Ele cheira rosas. Vai crescendo, crescendo, e quando eu percebo ele se transformou numa cobra gigantesca. Ela abre a boca, suas presas são enormes, eu acho que ela vai me engolir, mas ela começa a cantar Kiss Me com a voz mais fina que eu já ouvi.
Eis que entra Bono Vox em um cavalo branco que não combina nem um pouco com seus óculos escuros. Ele está procurando por alguma coisa que ainda não conseguiu encontar. Não encontra em meu quarto também e vai embora.
Ligo a tevê e o Humberto Gessinger está de avental ensinando a fazer bolinhos de chuva no programa da Ana Maria braga. Eddie Vedder está vomitando no sofá ao meu lado, enquanto o Ben Harper diz pra ele: "Cara, você precisa de um copo d'água!".
Está anoitecendo e em frente a minha janela um passarinho preto canta "A Day in the Life". Uns caras com barbas até a cintura e botas de cowboy estão caçando com espingardas, então eu escondo o passarinho debaixo da minha roupa. Ele se transforma em milhares de borboletas coloridas que saem voando pra alegria da Paula Toller, que está chorando encostada no vidro da janela da casa em frente.
Quando vou me deitar, já tem um casal na minha cama assistindo a um clipe do Gun's and Roses. Ela é linda, magra, loira (She's got the Look) e me diz que precisa de um bom vinho.
- And you, you need to be nicer!.
O cara é gordinho, com dentes separados e um terno estampado com uma aranha gigante cor-de-rosa. Ele muda pro Telecine, onde passa um filme da Marilyn Monroe. Ele diz: "Goodbye Norma Jean..."
Eu vou ao banheiro e tem um cara morto na minha banheira. Suicídio com gillette é muito clichê, eu penso, mas acaricio os cabelos negros dele, tão macios. Sua pele é tão branca. Existem fotos de você coladas em cada centímetro da parede.Eu começo a chorar e alguém me consola cantando "Everybody Hurts". Depois me canta baladas de hardrock e eu digo que o amo. Mas ele diz que quer mais do que palavras e desaparece lentamente.
Freddie Mercury está cantando no chuveiro ao lado.
Eu volto pro quarto, as paredes foram demolidas, o carpete virou areia e a Regina Spektor toma um banho de mar enquanto uns caras de rastafari dançam ao redor de uma fogueira ao som de Skank. E o Chris Martin toca Chopin num piano encalhado na areia.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Origami

A personagem dessa história é uma menininha. Pequeneninha, fofinha, cabelo chanel e botinhas vermelhas.
Ela ainda não sabe, mas quando crescer será paranóica, obessiva e auto-destrutiva. Mas por enquanto é só uma menininha. Ela gosta de se considerar forte, por isso não chora nunca, não importa o que aconteça. Chorar é coisa de criança. Ela não chorou quando seu coelhinho morreu (como toda menininha, ela tinha um coelhinho), não chora quando se machuca, não chora quando brigam com ela. Ela suporta tudo e às vezes se esquece que é só uma menininha.
Ela anda por uma paisagem ampla, cheia de sol, árvores e lagos. Conforme caminha ela vai crescendo, lentamente, como numa daquelas animações pintadas com lápis de cor. E porque está crescendo, não se importa mais que chorar seja coisa de criança. Mas ainda gosta de se considerar forte. Por isso nunca chora. E engole todas as tristezas, que vão se acumulando dentro dela e deixando-a amarga e triste. Ela não chora, nunca, mas também já não ri. A menina caminha sem rumo pela paisagem, sua vida parece estar envolta numa melancólica monotonia.
Um dia ela ouve ao longe um som como de papel sendo remexido, como se muitos jornais estivessem sendo abertos ao mesmo tempo. O som vai crescendo, se aproximando, ela procura sua origem mas não encontra. Então a menina olha pro alto e vê milhares de tsurus cortando o céu em alta velocidade. Eles voam numa bela e estranha formação flúida, dão voltas, sobem, descem, batendo alegremente suas minúsculas asinhas. Os cantos dos lábios da menina se curvam numa rara demonstração de uma rara alegria.
Mas então, só porque ela sorriu, começa a chover. E os pássaros de papel molham e se despedaçam com a chuva. Agora ela vai chorar, eu penso, e dou um sorriso sádico.
E ela chora. Só que seu choro é quase imperceptível, pois suas lágrimas se misturam com a chuva. Que fazer agora? Ela recolhe o que sobrou dos pássaros um a um, e com seus corpos mortos faz papier mâché.

Tsuru: http://www.youtube.com/watch?v=3iVP0tzwhVc

domingo, 14 de outubro de 2007

Superbonder

Tenho muitos textos pra colar aqui. Mas não consigo juntar as partes.
É que às vezes eu sinto um descolamento entre aquilo que eu escrevo e aquilo que eu sou.
Não sei quem sou, na verdade. Ninguém sabe (esse é meu consolo e minha esperança egoísta e fútil).
Às vezes, sinto um descolamento entre aquilo que eu sinto e a realidade a minha volta.
Tudo é uma ilusão, diriam os pessimistas.
Às vezes, sinto um descolamento entre eu e as outras pessoas.
Queria eu ser menos lúcida e me divertir nos meus castelos. A questão é - eu os construo, e eu sei que são feitos de areia. Sei?
Mas não posso deixar de construí-los. E não posso me divertir neles.
É que, de perto, quadros impressionistas se reduzem a borrões.
E você, você diz que eu não entendo nada de arte.
Às vezes eu sinto um descolamento entre todas as moléculas do meu corpo.
Às vezes eu só queria um pouco de (coca) cola.