quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Em 3ª pessoa.

Gosto de pensar em mim mesma em terceira pessoa. (Posso me ver deitada na cama, com os pés e as mãos gelados, tentando decidir se me cubro e continuo a ler o livro ou se levanto para escrever)
Então eu posso imaginar o que eu quiser e tudo ao meu redor é construído a partir da forma como me vejo. E é como se minha alma pudesse ser dividida em duas: a de narradora e a de personagem. A de narradora onisciente, racional e sensata, e a de personagem extremamente emotiva, com talvez algum brilho de beleza dramática, mas podendo ser moldada à vontade pela sábia mão que escreve. Assim, como se eu tivesse total controle sobre mim mesma.
É intrigante como toda narrativa tem uma lógica interna, por mais confusa que possa parecer. Como podem ser tribuídos às personagens as virtudes e os defeitos que forem convenientes ao desenrolar da história e como, por mais verossímel que seja a personagem, essas qualidades são absolutamente coerentes com o lógica da narrativa. Pelo menos é assim em assim uma boa narrativa - uma em que tudo funciona para dizer algo, cumprir um propósito. Porque toda narrativa tem um propósito, um sentido de existir, ao menos uma intenção por tras do ato inicial do autor.
Enquanto aquilo que somos e os acontecimentos de nossa vida não parecem ser regidos por lógica alguma. Tudo o que nos ocorre parece estar jogado no caos, meros pontos desconexos, perdidos e fadados à confusão. São tantas as coisas que não se encaixam - ao menos do nosso ponto de vista... Talvez exista alguma rede invisível ou escondida ordenando o caos e, mesmo que não percebamos, cada coisa esteja em seu lugar. Ou talvez a ordem seja uma exigência muito fútil de nossa mente humana e limitada.
Só sei que gosto de me imaginar em terceira pessoa. Sentada em frente a escrivaninha com as pernas cruzadas sobre a cadeira, se dando conta de que está numa posição absolutamente desconfortável e, para poder descrevê-la, tentando imaginar como é sua cara enquanto deliza rapidamente a caneta sobre o papel. E essa brincadeira mais do que uma fuga ou ilusão, mas como uma forma de encontrar alguma lógica. Uma tentativa, talvez ingênua, de compreender melhor suas ações e encaixá-las em algum propósito.